Bonecas negras ensinam a combater o
racismo brincando
O racismo e a
vontade de se ver representada levaram Ana Júlia dos Santos a usar sua arte
como forma de expressar as especificidades da população negra brasileira. Há 15
anos, a artesã faz bonecas negras, que subvertem o estereótipo “nega maluca” e
fornecem novas armas para o combate ao preconceito.
Ana Fulô, como
é conhecida, conta que foram poucos os brinquedos durante sua infância, mas
lembra de “nunca ter tido uma boneca negra”. Talvez, mais marcante do que a
falta de referências ainda quando pequena tenha sido o relato de uma de suas
netas sobre um trabalho de escola em que deveria montar uma “bonequinha”.
“A professora
disse ‘Agora quando você fizer a boneca negra, você põe um pedaço de Bombril
[esponja de aço] para imitar o cabelo dela’. Ouvi esse relato da minha neta. A
minha filha ficou mal, se dirigiu à professora e questionou isso. Foi retirado
o trabalho. Não foi feito mais.”
Coincidentemente,
com a experiência de racismo vivida pela neta, Fulô explica que procurou uma
feira para expor seu artesanato, mas não havia mais vagas. Então, a
coordenadora do espaço sugeriu que ela fizesse bonecas negras, pois a artesã
que desenvolvia esse trabalho havia falecido. Neste encontro de situações, Fulô
deparou-se com a oportunidade de expressar sua identidade e combater o racismo.
“Eu notei que
as meninas negras brincam com as bonecas brancas, mas nem sempre as meninas
brancas brincam com as bonecas negras. Então, eu quis tirar aquela maneira da
pessoa tratar a boneca negra como a ‘nega maluca’. Eu quis fazer as meninas
bonitas. Então, eu comecei a trabalhar nesse sentido até para elevar a
autoestima das nossas crianças e mostrar para elas que os brinquedos delas
podem ser tão ou mais bonitos que os outros.”
Olhos claros, pele escura
No circuito das
grandes lojas de brinquedos são raras as bonecas negras. E quando estão
presentes, geralmente trazem traços característicos de pessoas brancas,
alterando apenas a cor da pele. Dessa forma, fabricantes de brinquedos não se
intimidam em apresentar bonecas negras com olhos verdes ou, ainda, reforçar
preconceitos com a reprodução de estereótipos.
Artesã e
professora do Ensino Fundamental, Lúcia
Makena faz bonecas negras há mais de dez anos. Ela avalia que o mercado
formal de brinquedos não demonstra interesse em conhecer e representar a
população negra.
“A indústria,
eu acredito que quando ela faz uma boneca negra, ela não está muito preocupada
com a questão da identidade e da cultura. Eu acho que eles só colocam tinta
marrom e pronto, né. E a preocupação que eu acho que as empresas deveriam ter é
de pensar quem é esse povo negro, qual é essa cultura, qual o seu modo de ver a
vida, o que é importante para eles, e eles [as empresas] não se preocupam com
isso.”
Arte-educadora,
Lúcia ainda destaca a importância do trabalho para a educação das crianças na
questão da diversidade étnico-racial. “Eu acredito que os brinquedos fazem
parte desse processo de formação das crianças. Então, você tem que fazer
bonecas contemplando as etnias. Não pode a criança passar a vida inteira
comprando bonequinhas loiras, loiras, loiras, se muitas vezes elas não são
loiras e muitas vezes elas não vão se identificar com aquilo. Vai trazer uma
impressão de que a sua referência de beleza é outra.”
Brincadeira séria
Assim como
Makena, Fulô considera fundamental a função educacional dos brinquedos.
“Nenhuma criança nasce preconceituosa. Isso é coisa que vão colocando na
cabecinha dela. Eu acho que a partir do momento que ela começa a brincar, ela
tem um entendimento da diversidade de raça. Coloca as duas para a criança
brincar, se a gente percebe que ela não integra a boneca negra nas
brincadeiras, então, ali tem algum problema. Aí é que se começa a trabalhar a
cabecinha da criança.”
Para Fulô, mais
do que bonecas, suas criações são personagens que possuem histórias próprias.
Juntamente com a arte do desenvolvimento de cada novo molde, roupas e outros
adereços que acompanham suas meninas, ela pensa também na identificação de cada
boneca. Assim, costuma presentear quem compra seu trabalho com textos sobre o
que ela imagina para cada menina.
Reproduzido por
CEERT de Brasil de Fato
27 dez 2013
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